segunda-feira, 26 de abril de 2010
Publicações do dia 23: "Zhantai/Plataforma" e "Branca de Neve"
"Zhantai/Plataforma" (2000) de Jia Zhang-ke analisado por Helena Ferreira:
Plataforma (2000) é, normalmente, inscrito na obra de Jia Zhang Ke como parte de uma trilogia composta por Xiao Shan Going Home (1995), e Xiao Wu (1997), também conhecido como Pickpocket – não sendo aqui aleatória a homenagem a Bresson. Xiaoping Lin chama-lhe uma trilogia sobre “a viagem de um homem pelas ruínas da China pós-Mao”. Todos estes filmes foram rodados em Fenyang, terra natal do realizador (ou, fazendo um trocadilho linguístico, a “jia” [lar em mandarim] de Jia) e protagonizados por Wang Hong Wei. No entanto, há uma notável coerência entre essas primeiras obras e o resto da filmografia de Jia, nomeadamente, a longa que se seguiu a Plataforma, Prazeres Desconhecidos (2002), que mantém alguns dos traços essenciais da trilogia, como o facto de ter como figuras centrais jovens a terem de lidar (ou não) com as mudanças da sociedade chinesa. Só com O Mundo (2004), que marca a saída de Shanxi (província onde foram rodados os filmes anteriores) e o início das filmagens com autorização estatal, se deverá delinear um corte com as obras anteriores, sem que isso, no entanto, signifique corrupção dos traços autorais de Jia. Estes estavam já definidos à época de Plataforma, cuja maior dimensão em termos de tempo (diegético e não diegético) e reconhecimento internacional (ganhou prémios nos festivais de Veneza, Friburgo, Singapura, Nantes e Buenos Aires) colocaram definitivamente Jia Zhang Ke no mapa dos autores a ter em conta pela crítica e nos festivais.
Entre os traços marcantes da obra de Jia encontram-se um olhar atento sobre transformações em curso na sociedade chinesa, um foco em personagens à margem do progresso publicitado pelo país, interna e externamente, e um estilo contemplativo, pautado por planos longos e muitas vezes fixos. Há algo do dito realismo observacional do taiwanês Hou Hsiao Hsien nos filmes de Jia e, particularmente, em Plataforma, que também evoca a história de um país mas o faz por via do quotidiano de pessoas comuns. Uma mescla entre pulsão documental e ficção emerge de igual modo da obra de Jia – como, aliás, da de outros nomes-chave da década transacta, de que bastará citar o nome do português Pedro Costa. Jia usa, normalmente, um conjunto fixo de actores em vários dos seus filmes (com destaque para Wang Hong Wei e Zhao Tao, que, na verdade, se estrearam com ele) mas abre o filme a uma miríade de pessoas comuns que conferem ainda mais autenticidade aos seus retratos, em conjunto com as filmagens on location ao invés de feitas em estúdio. Em Plataforma, tudo isso é observável.
Ler análise na íntegra aqui.
"Branca de Neve" (2000) de João César Monteiro analisado por Francesco Giarrusso:
Tudo quanto tiverdes dito nas trevas há-de ouvir-se em plena luz, e o que tiverdes dito ao ouvido, em lugares retirados, será proclamado sobre os terraços.
(Lucas 12,3)
Dois cartões brancos com a escrita a azul preanunciam a obscuridade, delineando o espectro cromático dentro do qual Branca de Neve dará vida às suas peregrinações verbais. De resto, afirma Goethe, é notória a proximidade do preto com o azul, essa cor singular e quase imperceptível ao olho, capaz de conciliar a excitação com uma sensação de paz, a energia com a frieza própria da sombra como “o amor [que] ama de preferência o frio, agreste ódio”.
O silêncio inicial é preenchido pelas notas da peça para piano La Passeggiata (O passeio) de Rossini enquanto que o genérico desfila sobre uma tapeçaria romântica do século XIX, cuja atmosfera quente se dissipa no gelo das fotografias de Robert Walser, autor do poema dramático Schneewittchen (Branca de Neve) posto em cena por Monteiro. As imagens depressa se tornam insustentáveis como se a retina não aguentasse o branco deslumbrante que envolve o corpo sem vida de Walser. O olho em tensão perde progressivamente sensibilidade, a candura da paisagem deixa de ser tolerável. A luz reflectida pela camada espessa de neve é agora absorvida pela cara inerte de Walser e pela obscuridade da sala. Finalmente, o olho abandona-se a si próprio, relaxa-se, torna-se mais receptivo, retirando-se para a sua interioridade, longe de qualquer estímulo ou contacto com o mundo exterior.
Ler análise na íntegra aqui.
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