sexta-feira, 30 de abril de 2010

Publicações do dia 29: "Lady in the Water" e "John Carpenter's Ghosts of Mars"


"Lady in the Water" (2006) de M. Night Shyamalan analisado por Rita Benis:

“I miss your faces, they remind me of God”

Originalmente concebido como história de embalar – que M. Night Shyamalan contava e recontava, noite após noite, às suas duas filhas - o enredo de Lady in the Water foi sendo testado e desenvolvido de forma obsessiva até se tornar um projecto de filme, culminando por último num livro infantil: “a minha esperança para este livro é que não fique ligado ao filme depois deste ano, que continue e se torne uma história de embalar que as crianças ouçam ano após ano após ano... Isso seria o meu sonho: que esta história continue a ser contada e contada, e novas crianças a ouçam, que continue a crescer, a chegar a mais e mais crianças”. Este seu desejo está presente na ingenuidade de Lady in the Water: é a misteriosa confiança que une Shyamalan à sua obra. E a sinceridade com que expõe essa confiança deixa-nos perplexos e arrebata-nos.

Story dirige-se a Vick Ran (a personagem interpretada pelo próprio realizador), profetizando a vinda de um rapaz que lerá o seu livro: "este rapaz tornar-se-á líder deste país e irá iniciar um movimento de grande mudança. Ele falará de ti e das tuas palavras e o teu livro será a semente de muitos dos seus grandes pensamentos. Estes serão as sementes da mudança". Shyamalan deseja vir a inspirar alguém. Tudo bem. Mas a magia de Lady in the Water é alheia a esse desejo. O programa pensado e definido como moral da história, à priori, foi assim como que ultrapassado por outra poesia, mais completa e plena que o desejo inicial poderia supor. Os perigos que nele se abrem (essa tentação programática e sentimental) são derrotados pelo seu mistério. Aquilo que de mágico acontece em Lady in the Water tem mais a ver com um certo movimento, um certo som, uma ininteligível aura que o filme transporta – como se, depois de tudo concluído (montagem, misturas de som, etc), resultasse algo mais orgânico que qualquer idealização pudesse conceber: um apelo vivo que respira miraculosamente por si.

Ler análise na íntegra aqui.



"John Carpenter's Ghosts of Mars" (2001) de John Carpenter analisado por Luís Mendonça:

This is about one thing: dominion.

Para muita gente, Carpenter tem dado sucessivos passos em falso com os seus últimos filmes, nomeadamente, os mais recentes Vampires (1998) e este Ghosts of Mars. Talvez a sua estética, mais trashy e heavy metal, tenha confundido os menos atentos, porque, na realidade, Carpenter nunca foi tão bem sucedido a arriscar tanto.

Comecemos pelo que (praticamente) não mudou: a obsessão pelo “filme de cerco”, sobretudo, os westerns Rio Bravo (1959) e El Dorado (1966), ambos do seu ídolo Howard Hawks, onde a acção se concentra no espaço (uma prisão) e se expande no tempo (minutos passam e a história pouco avança).

Ler análise na íntegra aqui.

Futebol e conversa (à volta do cinema)

No auditório 1, Torre B, piso 1, projectamos:

Às 17h00, "Zidane, un portrait du 21e siècle" (2006) de Douglas Gordon & Philippe Parreno analisado por Hugo Costa




Às 18h40, a projecção dá lugar a uma introspecção com a ajuda das palavras (com imagens, seguramente) de João Lopes, Luís Miguel Oliveira, Bruno de Almeida e Fernando Cabral Martins. Venham falar do cinema que conhecem melhor: o do século XXI!

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Publicações do dia 28: "The Business of Fancydancing" e "Bamako"


"The Business of Fancydancing" (2002) de Sherman Alexie analisado por Joana Rodrigues:

O filme The Businesse of FancydancingSherman é a primeira e única longa-metragem (até à data) do escritor nativo americano Sherman Alexie (Spokane / Coeur d’Alene), o mais recente vencedor do prémio literário americano PEN/Faulkner Award for Fiction, com o seu último livro “War Dances”. Em 2007, a sua obra “The Absolutely True Diary of a Part-Time Indian” foi também distinguido, entre outros, com o National Book Award for Young People’s Literature.

Não só pela peculiaridade de ser um filme realizado por um escritor reconhecido, como pelo facto de ser um exercício repleto de críticas irónicas às experiências dos nativo-americanos na contemporaneidade (característica que marca em grande parte a obra escrita do autor), este filme de Sherman Alexie representa, no panorama do cinema nativo americano contemporâneo, um esforço ousado e original para a transmissão de um ponto de vista postindian. Como o próprio termo indica, postindian refere-se à expressão cultural que procura a desconstrução do “índio”, no sentido de uma remodelação da sua imagem distorcida, a qual, no caso do cinema, tem o seu expoente máximo no “inimigo”que habita os westerns americanos. Sendo que The Business of Fancydancing é um filme indissociável do conceito de postindian tal como ele é defendido por Gerald Vizenor (um outro “peso-pesado” da literatura nativo-americana), vale a pena clarificar as intenções deste autor. Com efeito, a principal premissa do ponto de vista de Vizenor no que diz respeito a uma identidade postindian é a distinção que o autor faz entre “índio” e “nativo”. Assim, Vizenor explica que o “índio” é uma invenção colonial, uma ausência que não especifica a diversidade cultural das tribos nativo-americanas. O autor acrescenta que a atitude postindian desconstrói a ideia de “índio”, criando desta forma uma presença nativa que edifica as “verdadeiras” identidades dos povos nativo-americanos através de uma ponte para o futuro. Gerald Vizenor sugere ainda que o conceito postindian se inspira na figura do trickster, que, através do humor e da ironia, questiona e desconstrói estruturas estabelecidas, revertendo-as, neste caso, a favor dos nativos.

Ler análise na íntegra aqui.



"Bamako" (2006) de Abderrahmane Sissako analisado por David Barros:

Se por esta altura do ano passado me tivesse interrogado se já tinha visto cinema africano, responderia sem hesitação que sim e seriam múltiplas e variadas as imagens cinematográficas do continente que me viriam à mente. A verdade é que estas representações eram muito mais fruto de canais de veiculação imagética criados e controlados por europeus e norte-americanos do que o resultado de uma perspectiva cinematográfica africana. Grande parte das imagens em movimento que retinha de África eram, na verdade, oriundas da obra de um só cineasta, Jean Rouch, que defendia a sua subjectividade individual em contraposição à perspectiva europeia enviesada de que o acusavam os seus colegas africanos. Num conhecido debate entre Rouch e um dos mais importantes realizadores senegaleses, Mahama Traoré (que morreu, aliás, o mês passado em Paris), o cineasta africano explicou as suas reticências em relação ao monopólio estrangeiro das imagens do continente: “Il n’y a pas de doute que le principal cinéma qui montre les Africains est […] celui de Rouch. Il nous intéresse car il montre avec respect des coutumes, les nôtres, qui ont été bafouées par les Blancs. Mais ce que je reproche à Rouch, c’est son parti pris. Il lui faudrait parvenir à une totale objectivité. Il devrait enregistrer des images et les monter sans chercher à imposer son point de vue."

Ler análise na íntegra aqui.

É já amanhã, sexta-feira

Amanhã, chega ao fim o ciclo "Década dos Zeros" e estão todos convidados para discutir connosco os filmes, os realizadores e as transformações que a década produziu.

Dia 30 de Abril, às 18h40, no Auditório 1 da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, vamos ter connosco para discutir estes temas:
João Lopes - crítico, professor e programador de cinema
Luís Miguel Oliveira - crítico de cinema e programador da Cinemateca Portuguesa
Bruno de Almeida - realizador
Fernando Cabral Martins - professor, crítico de cinema e colaborador assíduo de vários realizadores portugueses

Na mesa estarão questões como as ameaças que pairam sobre o cinema, o digital (da produção à exibição), o novo espectador de cinema, a inexistência de espaços de reflexão vs a proliferação de sites e blogs na internet, o estado do cinema português e todos os temas que queiram discutir connosco.

Apareçam e tragam um amigo também!

O fantástico das coisas concretas (pessoas incluídas)

Hoje (dia 29), abrimos as portas do auditório 1 (já para lá voltámos), piso 1, Torre B, para projectar:

Às 18h00, "Lady in the Water" (2006) de M. Night Shyamalan analisado por Rita Benis



(Como no caso da "Marie Antoinette", também publico o teaser em vez do trailer, mil vezes mais belo, mas seguramente não tão belo quanto o filme)


Às 21h00, "John Carpenter's Ghosts of Mars" de Manoel de Olivei... perdão, de John Carpenter analisado por Luís Mendonça


(Let's end this shit kicking some motherfucking asses!)

Amanhã

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Publicações do dia 27: "Marie Antoinette" e "Tetro"


"Marie Antoinette" (2006) de Sofia Coppola analisado por Ana Maria Campino:

Primeiro filme a poder ser rodado quase inteiramente em Versailles, Marie Antoinette de Sofia Coppola parece representar um novo olhar sobre o cinema de época e sobre a personagem de Maria Antonieta, revisitada devido à distância cultural e geográfica da realizadora, mas também graças a uma distância histórica.

Versailles

O primeiro dado marcante de Marie Antoinette sai da esfera propriamente cinematográfica: ele parece ser um sinal de abertura de Versailles à arte contemporânea, aos novos modos de gestão dos museus ou até mesmo a um novo olhar nacional sobre a personagem histórica (veja-se a popular exposição Marie Antoinette presente em 2008 no Grand Palais em Paris). Vivendo das receitas que produz e cada vez menos de subsídios públicos, grande parte dos museus franceses encontra como fonte de rendimento, para além da bilheteira, da venda de reproduções ou dos mecenatos, o aluguer de espaços para recepções e para rodagens de filmes. O filme Marie Antoinette, tal como The Da Vinci Code (2006) rodado em parte no Louvre, é assim um produto desta nova lógica de gestão museológica que, vinda dos Estados Unidos para a Europa, privilegia cada vez mais o lucro e a comunicação.

Ler análise na íntegra aqui.


"Tetro" (2009) de Francis Ford Coppola analisado por Ana Cabral Martins:

Tetro é um filme acerca do reencontro de dois irmãos na Argentina. Esse reencontro despoleta a descoberta de uma história de rivalidades que marcaram gerações de uma família emigrante italiana.

Começo por dizer que acho Tetro um filme particularmente bem conseguido porque sentimos em todos os momentos que estes foram pensados e executados meticulosamente. Não existe excesso, nem escassez. Tetro existe num plano que flutua sensivelmente entre uma realidade palpável – que sentimos pela crueza das imagens, ao que o preto e branco ajuda – e uma atmosfera que facilmente ligaríamos ao sonho. O filme começa com uma imagem que nos deixa imersos precisamente nessa atmosfera onírica: um grande plano de uma lâmpada num candeeiro, uma traça que anda à volta dessa lâmpada. Mas sobretudo o som, o barulho das asas a bater contra o vidro. Som, esse, que nos prende pela sua nitidez, a sua clareza, o coro de vozes que nos conduzem para uma ambiência que parece ser tudo menos terrestre, e um genérico que nos faz sentir que este filme se desprende da contemporaneidade e nos transporta para um tempo passado, povoado por memórias vagamente esquecidas. Todo o filme nos leva numa viagem entre a realidade – definida pelo preto e branco – e esse lugar onírico, entre o sonho e a memória – definido pela cor. Esta passagem constante entre realidade e sonho, memória dá-se sob o ponto de vista de Tetro. As memórias de Miranda continuam sob o signo do preto e branco.

Ler análise na íntegra aqui.

"The Business of Fancydancing" & "Bamako": hoje, a não perder!




A apresentação destes dois filmes no ciclo de cinema “Década dos Zeros” resulta da tentativa de complementar a ideia de “lista B” ao mostrar produções demasiado “alternativas” para constarem dum esquema estável de distribuição no mercado cinematográfico. Assim, tanto Bamako como The Business of Fancydancing, são produções que têm em comum a utilização da linguagem cinematográfica por povos que, à partida, não lhe poderão aceder tão facilmente, sobretudo devido a dificuldades financeiras e à impossibilidade de inserção num circuito à partida fechado e cuja liderança pertence a instituições poderosas com objectivos máximos de comercialização. Aqui fica então a oportunidade rara de apreciar cinematografias com um forte vínculo cultural e que são basilares no retrato de vivências que, por falta de informação, nos passam despercebidas.

Um dos mais belos filmes do mundo


A Rita não me levará a mal. É que "Lady in the Water" é um dos meus filmes favoritos e, lá está, como em todos estes casos de "filmes incompreendidos" ou "mal-amados" eu sinto-o mais como "meu" do que os outros - e, um aparte, não há obra que capte de forma tão lapidar a América Bush, melhor, a América pré-Obama (believe in change!). Por isso, presto-lhe homenagem deixando aqui, em jeito de antecipação, um textozito pequeno que um dia escrevi para uma revista de cinema on-line já extinta. Rita, mil desculpas, mas não resisto.

Em “A Senhora da Água”, mergulhamos num lugar microcósmico típico em Shyamalan: em vez de uma casa isolada numa vasta seara (“Sinais”) ou de uma vila cercada pela floresta (“A Vila”), um condomínio situado algures nos Estados Unidos serve de cenário a uma fábula contemporânea sobre o amor como reacção ao sentimento de apatia e abandono que tem esvaziado as sociedades ocidentais.

Cleveland Heep (melhor papel de sempre de Paul Giamatti), o superintendente dos edifícios, é um homem bondoso, que vive diariamente com a memória da perda brutal da sua família. Numa noite igual às outras, Cleveland é acordado pelo ribombar de um rocket: ninguém escapa à guerra que passa, em directo, na TV e há mesmo um inquilino que perdeu a esperança e abdicou de viver fora do ecrã – o primeiro cerco de “A Senhora da Água” é mediático, tal como em “Sinais”.

O atordoamento de Cleveland provocado pela reportagem da guerra (tão longe, tão perto...) cedo é interrompido pelo som misterioso de um chapinhar, vindo da piscina do condomínio. Instantes mais tarde, percebemos que esta serviu de canal de entrada no mundo dos homens para uma ninfa, de nome Story (luminosíssima Bryce Dallas Howard), que diz ter vindo do “Mundo Azul” com o objectivo de salvar a humanidade. Todavia, monstros ferozes, nascidos da terra como árvores, irão fazer de tudo para perpetuar a divisão entre terra e água – eis que se eleva o segundo cerco. Contra todas estas adversidades, a redenção acontece graças ao amor que liga Cleveland a Story e que culmina na comovente cena da cura "miraculosa" da ninfa.

(texto publicado originalmente na revista Red Carpet, Junho de 2008)

Os inéditos

Hoje (dia 28), abrimos as portas do auditório 3 (não do auditório 1 como previsto), Torre B, piso 5, para projectar:

Às 18h00, "The Business of Fancydancing" (2002) de Sherman Alexie analisado por Joana Rodrigues





Às 21h00, "Bamako" (2006) de Abderrahmane Sissako analisado por David Barros



Antecipação por Joana Rodrigues:

A apresentação destes dois filmes no ciclo de cinema “Década dos Zeros” resulta da tentativa de complementar a ideia de “lista B” ao mostrar produções demasiado “alternativas” para constarem dum esquema estável de distribuição no mercado cinematográfico. Assim, tanto Bamako* como The Business of Fancydancing, são produções que têm em comum a utilização da linguagem cinematográfica por povos que, à partida, não lhe poderão aceder tão facilmente, sobretudo devido a dificuldades financeiras e à impossibilidade de inserção num circuito à partida fechado e cuja liderança pertence a instituições poderosas com objectivos máximos de comercialização. Aqui fica então a oportunidade rara de apreciar cinematografias com um forte vínculo cultural e que são basilares no retrato de vivências que, por falta de informação, nos passam despercebidas.

Amanhã e depois

*Sobre "Bamako", eu, Luís Mendonça, recomendo a leitura de um texto assinado por um dos seus mais fervorosos fãs e divulgadores: Jonathan Rosenbaum.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Publicações do dia 26: "Bug" e "Noite Escura"


"Bug" (2006) de William Friedkin analisado por André Rebocho:

What a director’s doing at all times in a film is creating an atmosphere where the actors feel free not only to perform, but to expose themselves in some way.

Bug passou relativamente despercebido, aquando da sua estreia nas salas portuguesas no verão de 2007, ofuscado pelo sucesso estrondoso de blockbusters como a terceira parte de Piratas das Caraíbas e alguns outros sucessos garantidos a que Hollywood nos habituou na silly season.

É interessante ver como Friedkin consegue trazer-nos algo de verdadeiramente novo, algo perturbadoramente refrescante, numa década em que a indústria cinematográfica americana, impulsionada pela necessidade de fazer frente à ameaça da internet e do DVD pirata, se virou para a repetição de tudo quanto sejam fórmulas de êxito garantido, explorando ad nauseum - e com sucesso variável – a produção de sequelas e remakes, começando por reciclar grandes sucessos de outrora até chegar ao ponto em que qualquer película, por mais esquecida e imemorável que tenha sido no passado, volte a ver a luz do dia, desta vez com uma roupagem adequada aos “padrões” da época: algo parecido com um videoclip da MTV com a duração de uma hora e trinta minutos.

Ler análise na íntegra aqui.


"Noite Escura" (2004) de João Canijo analisado por Sara Campino:

Aqui não se ouve a voz dos deuses que na tragédia grega cantam de forma eloquente a sua ira. Aqui a impiedade suprema não mora no Olimpo, mas é igualmente poderosa perante quem a desafia. Oprime sem retórica, nem deslumbramento, agindo brutalmente sobre cada vítima. Mais uma vez João Canijo explora uma situação limite, (percurso iniciado com o filme Sapatos Pretos, de 1998), utilizando os recursos mitológicos e estilísticos da tragédia grega (presentes com regularidade na sua filmografia desde Ganhar a Vida, 2001), que faz convergir para uma unidade eficazmente coesa. Tudo se comprime no mundo fechado e marginal do alterne, onde se vende a ilusão vigiada do prazer e da transgressão. Por isso, as regras de quem controla este jogo são sempre explicitadas, não sendo tolerada qualquer inversão de papéis.

A resistência a esta opressão opera-se sobretudo através das palavras, quando ameaçam gestos libertadores, que são sumariamente aniquilados após qualquer tentativa de concretização. Quem se alonga em discursos são, por isso, as vítimas, dispensando o modo de elevação das famílias da realeza do imaginário clássico.

Ler análise na íntegra aqui.

Tal pai tal filha ou será antes o contrário?

Hoje (dia 27), abrimos as portas do auditório 1, Torre B, piso 1, para projectar:

Às 18h00, "Marie Antoinette" (2006) de Sofia Coppola analisado por Ana Maria Campino


(Claro que não publico o trailer, mas o teaser do filme, uma obra-prima em si mesmo)

Às 21h00, "Tetro" (2009) de Francis Ford Coppola analisado por Ana Cabral Martins




Amanhã e depois

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Antecipação: Tetro de Francis Ford Coppola

O meu nome é Ana Cabral Martins. Todo o meu percurso académico tem sido pelo caminho do cinema, uma paixão que alimento desde pequena, desde o Dumbo (no Quarteto).
Escolhi Tetro (2009) - segunda incursão de Francis Ford Coppola desde o seu hiato e afastamento de Hollywood - porque o considero um filme maravilhosamente bem concebido e pensado, uma verdadeira lição de cinema que, apesar de tudo, não teve o impacto que mereceria. Ainda para mais, depois da recente visita deste realizador a Portugal (Estoril Film Festival), não conheço melhor maneira de o homenagear do que inserindo um brilhante filme do mesmo neste ciclo de revisitação da primeira década deste século.
Deixo-vos com um pequeno aperitivo para o dia de amanhã!


I want candy (2)

Publicidade a Ferrero Rocher (1995)


Marie Antoinette (2006) de Sofia Coppola

Publicações do dia 23: "Zhantai/Plataforma" e "Branca de Neve"


"Zhantai/Plataforma" (2000) de Jia Zhang-ke analisado por Helena Ferreira:

Plataforma (2000) é, normalmente, inscrito na obra de Jia Zhang Ke como parte de uma trilogia composta por Xiao Shan Going Home (1995), e Xiao Wu (1997), também conhecido como Pickpocket – não sendo aqui aleatória a homenagem a Bresson. Xiaoping Lin chama-lhe uma trilogia sobre “a viagem de um homem pelas ruínas da China pós-Mao”. Todos estes filmes foram rodados em Fenyang, terra natal do realizador (ou, fazendo um trocadilho linguístico, a “jia” [lar em mandarim] de Jia) e protagonizados por Wang Hong Wei. No entanto, há uma notável coerência entre essas primeiras obras e o resto da filmografia de Jia, nomeadamente, a longa que se seguiu a Plataforma, Prazeres Desconhecidos (2002), que mantém alguns dos traços essenciais da trilogia, como o facto de ter como figuras centrais jovens a terem de lidar (ou não) com as mudanças da sociedade chinesa. Só com O Mundo (2004), que marca a saída de Shanxi (província onde foram rodados os filmes anteriores) e o início das filmagens com autorização estatal, se deverá delinear um corte com as obras anteriores, sem que isso, no entanto, signifique corrupção dos traços autorais de Jia. Estes estavam já definidos à época de Plataforma, cuja maior dimensão em termos de tempo (diegético e não diegético) e reconhecimento internacional (ganhou prémios nos festivais de Veneza, Friburgo, Singapura, Nantes e Buenos Aires) colocaram definitivamente Jia Zhang Ke no mapa dos autores a ter em conta pela crítica e nos festivais.

Entre os traços marcantes da obra de Jia encontram-se um olhar atento sobre transformações em curso na sociedade chinesa, um foco em personagens à margem do progresso publicitado pelo país, interna e externamente, e um estilo contemplativo, pautado por planos longos e muitas vezes fixos. Há algo do dito realismo observacional do taiwanês Hou Hsiao Hsien nos filmes de Jia e, particularmente, em Plataforma, que também evoca a história de um país mas o faz por via do quotidiano de pessoas comuns. Uma mescla entre pulsão documental e ficção emerge de igual modo da obra de Jia – como, aliás, da de outros nomes-chave da década transacta, de que bastará citar o nome do português Pedro Costa. Jia usa, normalmente, um conjunto fixo de actores em vários dos seus filmes (com destaque para Wang Hong Wei e Zhao Tao, que, na verdade, se estrearam com ele) mas abre o filme a uma miríade de pessoas comuns que conferem ainda mais autenticidade aos seus retratos, em conjunto com as filmagens on location ao invés de feitas em estúdio. Em Plataforma, tudo isso é observável.

Ler análise na íntegra aqui.


"Branca de Neve" (2000) de João César Monteiro analisado por Francesco Giarrusso:


Tudo quanto tiverdes dito nas trevas há-de ouvir-se em plena luz, e o que tiverdes dito ao ouvido, em lugares retirados, será proclamado sobre os terraços.

(Lucas 12,3)

Dois cartões brancos com a escrita a azul preanunciam a obscuridade, delineando o espectro cromático dentro do qual Branca de Neve dará vida às suas peregrinações verbais. De resto, afirma Goethe, é notória a proximidade do preto com o azul, essa cor singular e quase imperceptível ao olho, capaz de conciliar a excitação com uma sensação de paz, a energia com a frieza própria da sombra como “o amor [que] ama de preferência o frio, agreste ódio”.

O silêncio inicial é preenchido pelas notas da peça para piano La Passeggiata (O passeio) de Rossini enquanto que o genérico desfila sobre uma tapeçaria romântica do século XIX, cuja atmosfera quente se dissipa no gelo das fotografias de Robert Walser, autor do poema dramático Schneewittchen (Branca de Neve) posto em cena por Monteiro. As imagens depressa se tornam insustentáveis como se a retina não aguentasse o branco deslumbrante que envolve o corpo sem vida de Walser. O olho em tensão perde progressivamente sensibilidade, a candura da paisagem deixa de ser tolerável. A luz reflectida pela camada espessa de neve é agora absorvida pela cara inerte de Walser e pela obscuridade da sala. Finalmente, o olho abandona-se a si próprio, relaxa-se, torna-se mais receptivo, retirando-se para a sua interioridade, longe de qualquer estímulo ou contacto com o mundo exterior.

Ler análise na íntegra aqui.

JOÃO CANIJO: O Olhar Fauve

Noite Escura (2004), de João Canijo

Portrait de Madame Matisse - La Raie Verte (1905), de Henri Matisse

Fauve

1. Adjectif singulier invariant en genre: tirant sur le roux; sauvage, féroce; fort et animal; relatif au fauvisme, mouvement de peintres français du début du XXe siècle, qui juxtaposaient des couleurs pures et violentes;

2. Nom masculin singulier: bête sauvage ayant un pelage brun roux; Fauve nom donné aux peintres appartenant au fauvisme; couleur tirant vers le roux.


O profundo: isolamento e tragédia

Hoje (dia 26), abrimos as portas do auditório 1, Torre B, piso 1, para projectar:

Às 18h00, "Bug" (2006) de William Friedkin analisado por André Rebocho




Às 21h00, "Noite Escura" (2004) de João Canijo analisado por Sara Campino



Amanhã e depois

domingo, 25 de abril de 2010

Publicações do dia 22: "The Inner Life of Martin Frost" e "La Frontière de L'aube"


"The Inner Life of Martin Frost" (2007) de Paul Auster analisado por Luís Rocha Antunes:

Se acertei, e The Inner Life of Martin Frost é um filme simultaneamente brilhante e injustamente mal amado, então será garantido que ele cairá no eterno esquecimento sem que coisa alguma o possa salvar. O seu reconhecimento significaria a destruição de pelo menos uma das variáveis que servem de base a esta argumentação. O paradoxo é este mesmo. Mostrar que este filme existe da forma que existe é também fazer com que deixe de existir. E por isso me custa tanto falar de The Inner Life of Martin Frost.

Na base da selecção deste filme, para um ciclo que procura revelar algo de fundamental que aconteceu no cinema na primeira década de 2000 e ficou esquecido ou não foi visto, estão sobretudo dois motivos. O primeiro é a sua recepção crítica e o segundo, o seu contributo para a história material do cinema português.

Em relação à recepção crítica, The Inner Life of Martin Frost foi apontado como caso falhado na delimitação das fronteiras entre cinema e literatura. Sendo esta uma asserção verdadeira, prefiro no entanto pensar que esse é um atributo que lhe dá ainda mais força e não o contrário, uma vez que revela a abordagem originalíssima de Paul Auster.

Ler análise na íntegra aqui.



"La Frontière de L'aube" (2008) de Philippe Garrel analisado por Sofia Tonicher:

I

Toda a obra de Philippe Garrel tem o autobiografismo como pedra de toque dos filmes. Sejam tentativas ofegantes de registo da sua vida e memórias, ou uma necessidade quase doentia de corrigir e aceitar o passado, cada filme comporta cicatrizes reais que evidenciam a proximidade de Garrel àquilo que filma. Mais do que reflectir sobre a passagem do tempo e o desconsolo do tempo perdido, Garrel problematiza a imagem cinematográfica e a forma como se relaciona com ela. Talvez consciente de que, após a morte, a imagem é o que resta, estabelece com esta uma relação tão intensa e assertiva.

Em La Frontière de l'aube, Garrel cria um dispositivo que pensa na perfeição a sua relação com a imagem. Este filme é habitado por imagens-reflexo que se perspectivam sucessivamente. O fantasma, o sonho, o espelho, a fotografia, o filho, o filme, Garrel coloca-se numa sala de espelhos que reflectem, num abismo narcísico, outras imagens de si. Sem fazer do filme uma terapia pessoal, Garrel projecta-se no filme tal como o Homem desde sempre se projectou nas imagens que o rodeiam – do reflexo do espelho à imagem cinematográfica. Garrel não se esquece que antes de qualquer ambição realística ou de objectividade, a imagem está investida de um carácter místico, afectivo e humano – e é precisamente isto que este filme nos relembra.

Ler análise na íntegra aqui.

Notas inconclusivas




No final de Zidane fica uma dúvida: seria possível sentirmos "alguma coisa" se, por porventura, víssemos este objecto numa galeria de arte? Será que nesses espaços, onde se encetam celebrações fúnebres, onde se encenam comportamentos temperados, é ainda possível enriquecer a nossa curiosidade? Não são hoje lugares como os supermercados, as megastores, ou mesmo os shoppings, onde habitam as imagens que edificam relações, todas elas muito ambíguas, que provocam o nosso agir?
A "culpa" será da arte? Dos artistas super-cultos? Da frieza de uma crítica contemporânea? Ou, é tudo culpa dos espaços comerciais e do vulgo impenetrável? E é tudo isto "muito mau"? Ou é antes, à luz de uma leitura "mais antropológica", mais difícil de sistematizar, logo, mais interessante?

25 de Abril, sempre!*

À esquerda, Salgueiro Maia

I want candy (1)

Publicidade a Mon chéri (2003)

Marie Antoinette (2006) de Sofia Coppola

NOITE ESCURA: As cores da noite

Nocturno (1910), de António Carneiro

Nocturno, Leça (s/d), de António Carneiro


Publicações do dia 21: "Gerry" e "Mary"


"Gerry" (2002) de Gus Van Sant analisado por Marta Fernandes:


(...) Disse ao rei da Babilónia que tinha na Arábia um labirinto melhor e que, se Deus quisesse, lho daria a conhecer algum dia. Depois regressou à Arábia, juntou os seus cavalos e alcaides e arrasou os reinos da Babilónia com tão venturosa fortuna que derrubou os seus castelos, dizimou os seus homens e fez cativo o próprio rei. Amarrou-o sobre um camelo veloz e levou-o para o deserto. Cavalgaram três dias, e disse-lhe: “Oh, rei do tempo e substância e símbolo do século, na Babilónia quiseste-me perder num labirinto de bronze com muitas escadas, portas e muros; agora o Poderoso achou por bem que eu te mostre o meu, onde não há escadas a subir, nem portas a forçar, nem cansativas galerias a percorrer, nem muros que impeçam os passos.” Depois desatou-lhe as cordas e abandonou-o no meio do deserto, onde morreu de fome e sede. (...)

Jorge Luís Borges, O Aleph

A obra do cineasta que alterou o nosso olhar sobre a juventude americana é uma obra que se desenvolveu nos últimos 25 anos de uma forma cíclica, com grupos de filmes marcados por afinidades. Mala Noche (1985), No Trilho da Droga (1989), A Caminho de Idaho (1991) e Até as Vaqueiras ficam tristes (1993) fazem parte de um primeiro momento, a que se segue um período de flirt com a indústria, que tem o seu apogeu com O Bom Rebelde (1997) e lhe permite a extravagância de realizar um filme de outro, Psycho, um remake quase absoluto plano por plano do filme de Hitchcock, em que existem apenas micro-variações sobre o projecto original, uma das quais a textura da cortina de duche, um mosaico no filme de Gus Van Sant, uma estrutura caleidoscópica a partir da qual se pode olhar para o seu trabalho. Depois de À Procura de Forrester, Gus Van Sant inicia um novo ciclo em que regressa a um formato mais livre em que trabalhará sem guião. Gerry (2002) é o primeiro filme desse novo ciclo composto por três filmes que partem de um fait divers. É essencial compreender Gerry para perceber os filmes que se seguem na carreira de Gus Van Sant. Elephant (2003) é também inspirado num fait divers, o massacre do liceu de Columbine, em que dois alunos matam 15 pessoas. A ideia de fazer um filme sobre o liceu de Columbine precede a realização de Gerry, mas é este filme que fará com que Gus Van Sant enverede pelo olhar que domina Elephant. A Elephant seguem-se Last Days (2005) e Paranoid Park (2007), o primeiro encerra a trilogia dos filmes baseados em fait divers, mas preferimos incluir também o último, apesar de ser uma adaptação de um romance, numa tetralogia em que o espectro da morte é uma constante.

Em Gerry, dois amigos perdem-se no deserto e apenas um volta, filme experimental em que dois homens caminham durante três dias e três noites num deserto sem fim, uma paisagem que os reduz à sua pequenez, em que a morte espreita, de onde apenas um sairá vivo.

Ler análise na íntegra aqui.


"Mary" (2005) de Abel Ferrara analisado por Gonçalo Jordão:

Tudo é fora do comum neste Mary de Abel Ferrara. Seja em relação à súmula da sua própria obra, que vinha de um excelente mas menosprezado New Rose Hotel (1998) e um menos interessante ‘R Xmas (2001), e seguiria para The Go Go Tales (2007), todos eles filmes formal e conceptualmente distantes deste; seja interiormente, onde mesmo depois de apresentada(s) a(s) ‘premissa(s)’ (filme dentro de filme, blocos documentais, trio de protagonistas que chocam e se completam), baralha e distribui novas cartas, tornando quase obrigatório um segundo (e terceiro, e quarto, e...) visionamento.

Relativamente às condições exteriores, lembremo-nos do contexto da época: The Da Vinci Code fazia de Dan Brown uma rockstar, com todo o circo mediático que isso arrasta, incluindo adaptação para cinema a cargo do ‘tarefeiro’ Ron Howard em 2006; mas um ano antes de Mary, Mel Gibson havia ‘presenteado’ o mundo com o quase slasher-movie acerca dos últimos dias de Cristo, The Passion of the Christ, filme que para além da polémica violência ultra-realista, colocou na ordem do dia a discussão acerca da culpa judaica da morte do messias (e se o filme já tinha sido interpretado como anti-semita pelos mais fanáticos, não ajudaram à ‘festa’ as ébrias declarações do autor nesse sentido, mas em muito pior linguagem...).

Ler análise na íntegra aqui.

sábado, 24 de abril de 2010

NOITE ESCURA: Filha do Pai

Noite Escura (2004) de João Canijo


A filha do polícia (1987) de Paula Rego


Trabalhando nos bastidores, as novas heroínas de Paula Rego executam tarefas domésticas ou prestam serviços pessoais aos seus homens. A filha do polícia, por exemplo, engraxa a bota ao pai num quadro de 1987 com o mesmo título. De vestido branco e sandálias, está sentada num quarto parcamente mobilado, mal iluminado e desconfortável. Um gato espreita, nervoso, pela janela, a aproximação de alguém, recordando a autoridade a que ambos se submetem. Um dos braços da rapariga está completamente enfiado dentro da bota do polícia, num gesto ambivalente de obediência e agressividade. A outra mão dá furiosamente lustro ao cano da bota, um gesto que assinala a supremacia doméstica e sexual do pai, bem como a sua posição social superior. O acto de engraxar o couro sugere, a um nível mais metafórico, o papel de massagista do ego patriarcal desempenhado pela filha. Entretanto, o isolamento melancólico da jovem salienta a sua exclusão do terreno público no qual o poder do pai é exercido e celebrado.

Sarah Kent, "As meninas de Paula Rego", in Compreender Paula Rego, 25 Perspectivas, Ruth Rosengarten (Coord.), Fundação de Serralves/Jornal Público, 2004.

Versailles: passado ou presente?

Exposição de Jeff Koons em Versailles (2008-2009)

Marie Antoinette (2006) de Sofia Coppola

NOITE ESCURA: Las chicas Canijo

Noite Escura (2004) de João Canijo


Todo sobre mi madre (1999) de Pedro Almodóvar

O que faz raccord com o quadro escuro?


Não temos tido salas cheias, mas as sessões têm sido muito interessantes graças à diversidade dos filmes mostrados - que desafiam o espírito de modos diferentes e imprevisíveis mesmo no caso de revisionamentos - e acima de tudo à qualidade dos nossos visitantes - que, pondo de lado o discurso do "gostei/não gostei", têm alimentado algum debate e sempre sabido como reagir ao nosso desafio.

Fazemos uma pausa neste fim-de-semana, mas voltaremos a preencher as tardes e noites da próxima semana, que trará uma novidade: o ciclo muda-se para o auditório 1*, piso 1, na mesma Torre B. O acto 2 está prestes a começar e com uma certeza: a procissão ainda vai no adro. O desafio ainda não terminou, as interrogações vão-se multiplar, a dúvida vai-se adensar.

Nos próximos dias, para além das habituais antecipações, serão publicadas aqui as análises aos filmes que já foram mostrados e os principais tópicos de discussão da conferência do dia 30.

Aos que já vieram, apelamos a um regresso, aos que ainda não nos visitaram, perguntamos:Não quereis ir para o cinema? Estai-vos nas tintas?

*- Dia 28, excepcionalmente, as projecções irão decorrer no auditório 3, piso 5, da Torre B. Apesar de nos ser completamente alheia, pedimos desculpa por esta alteração.

NOITE ESCURA: Canto de Ifigénia

Quando eu nascer outra vez
quero nascer sem idade
filha da mãe que me fez
e de um homem sem maldade

Hei-de nascer numa esquina
onde o diabo passou
quando a noite for menina
tão menina como eu sou

Hei-de nascer numa esquina

Quando eu nascer novamente
quero nascer para trás
mudando completamente
para me tornar rapaz

Hei-de nascer numa praça
Dos olhos de uma rameira
olhando a gente que passa
até morrer de cegueira

Noite de enganos
Noite de enganos
Que me fizeste mulher

Quando eu nascer outra vez
quero nascer sem idade
filha da mãe que me fez
e de um homem sem maldade

Hei-de nascer numa esquina
onde o diabo passou
quando a noite for menina
tão menina como eu sou

Hei-de nascer numa esquina

Quando eu nascer novamente
quero nascer para trás
mudando completamente
para me tornar rapaz

Hei-de nascer numa praça
Dos olhos de uma rameira
olhando a gente que passa
até morrer de cegueira


Noite de enganos
Entre perdas e danos
Não ganhei nem perdi nada

"Noite de Enganos"
Regina Guimarães /Ana Deus/ Alexandre Soares
interpretação de Cleia Almeida e Ana Deus

sexta-feira, 23 de abril de 2010

O plano fixo: o tudo e o nada ou vice-versa

Hoje (dia 23), abrimos as portas do auditório 2, Torre B, piso 3, para projectar:

Às 18h00, "Zhantai/Plataforma" (2000) de Jia Zhang-ke analisado por Helena Ferreira




Às 21h00, "Branca de Neve" (2000) de João César Monteiro analisado por Francesco Giarrusso


Amanhã e depois

BRANCA DE NEVE de João César Monteiro

“O CINEMA SOU EU, ou seja: a criação é absoluta e absolutamente incómoda”





Hoje (23) às 21h

no auditório 2, Torre B, piso 3 da FCSH

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Antecipação: Jia Zhang-ke e Plataforma (II)


A propósito da exibição de Plataforma amanhã às 18h, transcrevo aqui algumas passagens de uma entrevista de Stephen Teo a Jia Zhang-ke, publicada na Senses of Cinema, em 2001:

Stephen Teo: In watching your movie Platform, your characters seem to want to tear themselves away from their native place, Fenyang, but they always return. Why did you devise your movie like that?
Jia Zhang-ke: Fenyang is a pretty isolated place that has not yet opened up to the world. In fact, there's nothing there. I think what it has is an original face of China. Personally, I was born and grew up in Fenyang. While growing up, I always had the compulsion to leave and to see the world -- this is probably something common to all youths. Maybe it's because I never lived in a big city, or maybe even in big cities like Beijing, Shanghai or Hong Kong, there are young people who also want to leave and see the outside world. As for myself, I had that same feeling. I went to live in Beijing when I was 23, and even then, I began to feel homesick for my place of birth. Such homesickness engenders a feeling of insecurity and anxiety. When I came to make movies -- my first movie, Xiao Wu and now Platform -- I had an unconscious urge to return to my birthplace to make these movies. I think that this feeling of home is something basic in my work -- it's a motif.
On another level, my films deal with people who struggle in life and being failures, they have no other option but to return to their original place. I feel that going home is only one process in human behaviour. In following the process of growing up and coming of age, human spirituality returns to the starting point. The title
Platform refers to a point of departure as well as a point to which one returns. I wanted a mood in Platform where all my characters would wander around all over the country but in the end, they would return to their original place. Nothing happens really, but at the same time, a lot has happened.
[...]

ST: Are you more prone to the negative?
JZK: I am more concerned with the people who have fallen into the margins. As a director, I am not into analysis.

ST: You only want to observe?
JZK: I only see what I want to see. Within China, I've been attacked by critics. I've been frequently accused of making films that show a negative side of China to foreigners. But I haven't responded to such criticism because I feel that even if I have shown what is negative, I have put in much greater emotions of mine into the films.

ST: Do you make your movies for Chinese or for a foreign audience? I ask this because your movies have very local features but somehow they also transcend the local and become universal.
JZK: I am not willing to say that my movies are made for Chinese and neither are they made for foreigners. I make them for people to see. As human beings, we face problems that are basically the same [...]

[...]

ST: There are many long takes in your movies. Is it because you are fond of them or is it because they are convenient as a form of technique in your methodology?
JZK: I am fond of it. It's a kind of hobby (laughs).

ST: Have you been influenced by other directors into adopting this technique?
JZK: Absolutely. Like Hou Hsiao-hsien, or Ozu. I have been through film school and to say that I haven't been influenced by these directors would be a lie.

ST: Would it be that it's more suited to naturalism?
JZK: What I like most in a long take is that it preserves real time, it keeps time intact. It allows me to film something important. If I were to cut the scene into pieces, there would be a lot more subjective things that I put in. In Platform, the characters have a relationship with time. You see two people smoking and talking aimlessly for a long time. Nothing happens plot wise but at the same time, time itself is kept intact. In that long and tedious passage of time, nothing significant happens, they are waiting. Only through time can you convey this. If I were to break up that scene which lasts for six or seven minutes into several cuts, then you lose that sense of deadlock. The deadlock that exists between humans and time, the camera and its subject. Everybody experiences the monotony of time passing where nothing that is noteworthy occurs.

ST: But in watching your long take sequences, there is some other information that you want to hold back, that you don't want the audience to see.
JZK: I use a lot of long shots. If the audience can see things in there, that's good, if they can't, so be it. I don't want to impose too many things onto the audience. For instance, in Platform, I used only two close-ups. One was the close-up of the postcard that Zhang Jun sent from Guangzhou. It's not that there are special situations where I wanted to hold back some information. I don't want to impose a message onto the audience. I want to give them a mood and within that mood, you can see things that you want, or you can't see things. My films are rather challenging for the audience. They are not very clearly stated to the extent where the audience can see clearly the objects they want to see - this pen or this watch. If they don't notice it, they don't notice it. It's not that I am being indifferent. Through all these, I am imparting a director's attitude, how he sees the world and the cinema. What I mean to say is that it's only an attitude because you can never be absolutely objective. When you need somebody to look at something, it's no longer objective. There is no absolute objectivity, there is attitude, and through this attitude, there is an ideal.

[...]

O texto completo da entrevista pode ser lido aqui

Fronteiras: Auster-Thewlis como Garrel-Garrel

Hoje (dia 22), abrimos as portas do auditório 2, Torre B, piso 3, para projectar:

Às 18h00, "The Inner Life of Martin Frost" (2007) de Paul Auster analisado por Luís Rocha Antunes




Às 21h00, "La Frontière de L'aube" (2008) de Philippe Garrel analisado por Sofia Tonicher




Amanhã e depois

Antecipação: "John Carpenter's Ghosts of Mars" de John Carpenter (II)

Em Novembro de 2001, a revista de cinema Cahiers du Cinéma publicou uma excelente entrevista a John Carpenter, «La peur voyage». O motivo principal era "John Carpenter's Ghosts of Mars". Como tal edição não está on-line, publico neste espaço alguns dos meus trechos favoritos.

Nous avons vu Ghosts of Mars après un orage cataclysmique. C'est un film furieux, très violent, presque gore.

Violent et dur: c'est certain. Mais, pour moi, il est dans la moyenne de mes autres films. Il n'a pas l'impact énérgique des blockbusters du cinéma américain. Je manque de moyens pour les effets spéciaux. Rien à voir avec Pearl Harbor...

(...)

Pourquoi l'alliance d'une blonde-mannequin et d'un chef de gang black est-elle la seule susceptible de sauver le monde?

Si vous prenez le film comme un western, ce qu'il est essentiellement, vous assistez à la rencontre d'un brigand e d'un shérif: le bien s'allie avec le mal por combattre le pire. Or je n'avais jamais vu, à l'intérieur de ce schéma, ces éléments-là. C'est inattendu. C'est une des raisons de l'échec du filme aux Etats-Unis. Personne n'a compris l'originalité du sujet: je n'ai fait un film black, ni un film blanc.

(...)

Quand avez-vous pensé à la structure en flash-back du récit?

Après avoir écrit une première version du scénario, j'ai cherché du relief. Tous les incidents se déroulaient à la suite, de A jusque'à Z. C'était ennuyeux. J'ai tout fait éclater pour introduire du secret. Notamment autouor de cet étrange virus. Finalement, a grande scène d'exposition de Ghosts of Mars se déroule une heure et quart après le début!

Les flash-back indiquent que les personnages sont déjà des fantômes, puisqu'une seule rescapée fait le récit des mésaventures du groupe.

Je n'y avais pas pensé, mais ça sonne bien.

Il y a une filiation avec Jacques Tourneur. Dans Curse of the Demon, Dana Andrews a cette phrase «Certains de mes meilleurs amis sont des fantômes». Les fantômes de Ghosts of Mars sont-ils vraiment nos ennemis?

Il est question d'un choc de civilisations. On peut imaginer que les fantômes du film sont issus d'une ancienne civilisation barbare qui ne s'est jamais développée autrement qu'à travers ses capacités sur-naturelles. Comme toutes les civilisations fondamentalistes et guerrières, les fantômes ont laissé derrière eux une malédiction. (...) Les hommes ont voulu coloniser les barbares pour imposer leurs lois. Ces mêmes conflits existent sur Terre, mais ici nous sommes sur Mars, et les fantômes ne répodent pas par la raison, mais par la sauvagerie. Le problème central devient alors celui de la survie de l'espéce, et une question se pose: à qui appartient le territoire? Le western revient par le côté: que serait-il arrivé à l'Amérique si les Indiens nous avaient laissé une petite surprise?

(...)

Pourquoi tout passe par les femmes dans Ghosts of Mars? La société coloniale de la planète Mars est fondée sur le matriarcat.

Je ne l'avais jamais vu ailleurs, cela suscitait ma curiosité, j'ai toujours voulu faire un film d'action féminin. Dans les films américains, les femmes doivent donner les preuves de leur existence et de leur talent de la première à la dernière scène. Dans Ghosts of Mars, c'est clair depuis le début: les femmes ont le pouvoir. Cela me semble logique, on peut imaginer que, dans soixante-dix ans, nous aurons rendu notre environnement insupportable à force de patriarcat - ce que démontrent les fantômes dans le film. Une société féminine serait peut-être moins compétitive, et plus coopérative, mais je n'en suis pas sûr, nous sommes tous des êtres humains.

(...)

Votre film est situé dans le futur et il parle de conflits qui viennent du passé, entre es humains et leurs fantômes. Mais il se passe aussi «ici et maintenant», de même que vous disiez, à propos des vampires de votre précédent film, qu'ils existaient «réelement aujourd'hui».

L'idée est que la sauvagerie et la brutalité font partie de chacun d'entre nous. Si on n'y fait pas attention, elle est là. (...) Dans Ghosts of Mars, il n'est pas question de vampires, mais les humains sont forcés de réagir à une attaque. D'où ma réponse sur ce qui est «ici et maintenant»: la survive. Voilà ce qui me préoccupe le plus. La survive de tous. Je suis un enfant de la guerre froide. J'ai grandi avec la menace de l'annihilation. Elle était réelle pour ma génération, très réelle.

(...)

Pourriez-vous tourner Ghosts of Mars maintenant?

C'est une chose de faire un film sur la sauvagerie et la brutalité en des temps pacifiques. Les gens l'acceptent mieux. C'est une autre de s'y coller quand tout va mal. Beaucoup plus difficile.

(...)

Nous avons vu Ghosts of Mars une semaine avant le 11 septembre. Après quoi, il a été impossible de ne pas y penser.

J'y ai pensé aussi, mais je n'ai cessé de me dire qu'il était incroyable que nous ne soyons pas dans un film. Vous savez, j'ai été en haut de la tour sud du World Trade Center lors de Escape From New York. J'y ai tourné des plans. Maintenant, il n'y a plus rien! Fini! Disparu! (...) Des temps difficiles vont commencer.

Avec vos filmes en toile de fond.

(...)

quarta-feira, 21 de abril de 2010

O que une "Gerry" e "Mary"?

Hoje (dia 21), abrimos as portas do auditório 2, Torre B, piso 3, para projectar:

Às 18h00, "Gerry" (2002) de Gus Van Sant analisado por Marta Fernandes



(Meu Deus, que belo é este trailer/filme)


Às 21h00, "Mary" (2005) de Abel Ferrara analisado por Gonçalo Jordão


(Go Go Ferrara)

Amanhã e depois

JOÃO CANIJO: O Nascimento da Tragédia

[entrevista a João Canijo, a propósito da estreia do filme Ganhar a Vida, 2001]

Como conjugou a ideia base do filme com o que descobriu após a pesquisa no local?

Andei dois anos em França. Tínhamos a estrutura da Antígona à partida e, conforme as pequenas histórias que iam aparecendo, fomos preenchendo os "buracos", com a investigação que fiz.

[...]

O que vai fazer a seguir?

Ainda está bastante atrasado e não posso dizer muito sobre o próximo filme. Será de novo com a Rita e também com a Beatriz Batarda, que fará de filha dela. A personagem da Rita é uma ex-prostituta, que teve a Beatriz aos 15/16 anos. É um filme sobre o "alterne", algo muito famoso depois do caso do bar "Meia Culpa", em Amarante. Não vai ser kitsch nem sórdido. Vai ser violento, mas como o "Ganhar a Vida" e não como o "Sapatos Pretos". Mas não terá nada a ver com o "Ganhar a Vida". É, mais uma vez, sobre situações-limite.

in Netparque

[artigo a propósito da estreia do filme Noite Escura, 2004]

"Onde é que a tragédia pode ser mais indiferente senão numa casa de alterne, onde o vício do dinheiro e o viciante da noite sufoca tudo?”, diz [João Canijo], não escondendo um fascínio por este universo. Mas é um fascínio, acrescenta, que surge da racionalização de que seria em lugares como este, um mundo de enganos, ilusão, fingimento e representação, que a tragédia poderia banalizar-se.

[…]

“Noite Escura” é o primeiro filme de uma trilogia de Canijo a partir de “Oresteia”, de Ésquilo e corresponde à primeira tragédia, “Agamémnon” – hão-de seguir-se a adaptação de “Coéforas” e “Euménides”. Mas o realizador foi também buscar a tragédia que continua “Agmamémnon”, “Ifigénia em Áulis”, de Eurípedes. Sónia é Ifigénia, a filha de Climnestra (Celeste) e de Agamémnon (Nelson), sacrificada pelo pai; Carla é como Aquiles (quer salvar Ifigénia) mas a sua personalidade vem de Electra, personagem pela qual Canijo tem uma fixação há anos (já estava em “Filha da Mãe”).

O realizador já sabia que ia filmar esta tragédia quando partiu para a pesquisa. Ficou com centenas de páginas e histórias da noite porque a busca tornou-se "viciante". "Cada vez se descobrem personagens com mais histórias, histórias diferentes, mais escabrosas, mais melancólicas". Filmou só algumas delas - em "Noite Escura" há quase dois filmes paralelos, um na imagem outro no som, um é ficção, o outro é documental, um é tragédia, o outro é a vida "insignificante" das meninas do alterne. Cortou outras porque só funcionariam para um espectador português. Mas todas elas impregnaram o filme. As paredes do bar, os objectos, os actores, a câmara respiram alterne por todos os lados. O bar de "Noite Escura" é uma síntese das casas de alterne que se espalham pelo país. "Não se pode fazer ficção sobre uma coisa específica sem a conhecer profundamente", diz Canijo.

Joana Gorjão Henriques, “João Canijo, chefe desta família da noite”, in Ípsilon, 22 de Outubro de 2004, pp.18-21

segunda-feira, 19 de abril de 2010

zeromathon

Qu'est-ce que c'est le cinèma?





Philippe Garrel . 1948

.

Sofia Tonicher . 1987

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La Frontière de L'aube . 2008

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C'est une manière de survivre...

domingo, 18 de abril de 2010

Heróis: século XVIII ou década de 1980?

Count Fersen em Marie Antoinette (2006) de Sofia Coppola

Adam Ant

sábado, 17 de abril de 2010

NOITE ESCURA: Definição de Tragédia (VII)


O século V a.C. foi, em grande parte ainda, o século do apogeu da lírica. Mas o período que culturalmente lhe corresponde, ou seja, o século de Péricles, tem a sua mais alta expressão na tragédia. Os grandes problemas das relações dos homens com os homens e dos homens com os deuses, ou seja, da piedade, da insolência para com a divindade e da justiça, são equacionados perante os milhares de espectadores que assistem todos os anos às Grandes Dionísias.

MARIA HELENA DA ROCHA PEREIRA, Estudos de História da Cultura Clássica, I Volume - Cultura Grega

sexta-feira, 16 de abril de 2010

NOITE ESCURA: Definição de Tragédia (VI)


A este respeito, duas partes constituem a fábula: peripécia e reconhecimento; a terceira é o acontecimento patético (catástrofe) […]. O patético é devido a uma acção que provoca a morte ou sofrimento, como a das mortes em cena, das dores agudas, dos ferimentos e outros casos análogos.

ARISTÓTELES, Poética

NOITE ESCURA: Definição de Tragédia (V)


O enredo tem unidade não, como alguns supõem, pelo facto de tratar de uma só pessoa. Pois podem acontecer coisas inúmeras a um e só mesmo homem, de que não resulte a unidade. Assim também muitas são as acções de um homem, de onde não decorre uma acção única.

ARISTÓTELES, Poética

NOITE ESCURA: Definição de Tragédia (IV)


Existem necessariamente em cada tragédia seis elementos, que determinam a sua natureza. São os seguintes: enredo, caracteres, elocução, pensamento, espectáculo e música. Os meios de imitação são dois desses elementos, o modo de imitar, um, o objecto de imitação, três, e para além disto não há mais nenhum. Estes elementos foram usados, por assim dizer, por todos. De facto, todas as tragédias contêm igualmente espectáculo, caracteres, enredo, elocução, canto e pensamento.

ARISTÓTELES, Poética

quinta-feira, 15 de abril de 2010

NOITE ESCURA: Definição de Tragédia (III)


A princípio os poetas desenvolviam os mitos que lhes surgiam; agora compõem as mais belas tragédias em volta de um pequeno número de casas como a de Alcméon, Édipo, Orestes, Meleagro, Tiestes e Télefo e de outros a quem sucedeu sofrer ou causar desgraças terríveis.

ARISTÓTELES, Poética

NOITE ESCURA: Definição de Tragédia (II)


A tragédia é a imitação da acção, elevada e completa, dotada de extensão, numa linguagem embelezada por formas diferentes em cada uma das suas partes, que se serve da acção e não da narração, e que, por meio da compaixão e do temor, provoca a purificação de tais paixões.

ARISTÓTELES, Poética

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