sábado, 24 de abril de 2010

NOITE ESCURA: Filha do Pai

Noite Escura (2004) de João Canijo


A filha do polícia (1987) de Paula Rego


Trabalhando nos bastidores, as novas heroínas de Paula Rego executam tarefas domésticas ou prestam serviços pessoais aos seus homens. A filha do polícia, por exemplo, engraxa a bota ao pai num quadro de 1987 com o mesmo título. De vestido branco e sandálias, está sentada num quarto parcamente mobilado, mal iluminado e desconfortável. Um gato espreita, nervoso, pela janela, a aproximação de alguém, recordando a autoridade a que ambos se submetem. Um dos braços da rapariga está completamente enfiado dentro da bota do polícia, num gesto ambivalente de obediência e agressividade. A outra mão dá furiosamente lustro ao cano da bota, um gesto que assinala a supremacia doméstica e sexual do pai, bem como a sua posição social superior. O acto de engraxar o couro sugere, a um nível mais metafórico, o papel de massagista do ego patriarcal desempenhado pela filha. Entretanto, o isolamento melancólico da jovem salienta a sua exclusão do terreno público no qual o poder do pai é exercido e celebrado.

Sarah Kent, "As meninas de Paula Rego", in Compreender Paula Rego, 25 Perspectivas, Ruth Rosengarten (Coord.), Fundação de Serralves/Jornal Público, 2004.

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