quarta-feira, 31 de março de 2010

Alguém pediu mais um 'zero à esquerda'?



Sim, sem explicação plausível, agora o texto já não está sublinhado e azul. Não, não percebo mesmo como, nem porquê - mas estou a considerar seriamente em tornar-me ciber-agnóstico.
O filme da 'primeira década dos zeros com cinema dentro' que quero hoje homenagear não é o da icónica imagem que escolhi, e só não o é porque 'Les Vampires' é de 1915; como tenro ciber-agnóstico que sou, não consegui encontrar nenhuma imagem para 'La Légende de la Fileuse', um dos cinquenta mil filmes que Louis Feuillade realizou em 1908, mas o mais belo dos (poucos) que conheço. Não partilha da mesma elasticidade técnica que fez do autor um claro precursor para o que Lang, Hitchcock, Torneur, Welles, e consequentes 'briandepalmas' viriam a querer fazer, aproximando-se mais do 'teatro filmado' com câmara no ponto de vista da audiência que em 1908 já havia sido solucionado e ultrapassado, inclusive pelo próprio. No entanto não falta criatividade nesta transposição para a tela do mito clássico grego de Aracne, uma mortal que através da sua virtuosidade despertou a furiosa inveja da deusa Atena; o resultado último da ira da deusa foi a transformação de Aracne em aranha - ilustrando o refinado humor negro que os deuses gregos possuíam, já que a jovem era uma reputada bordadeira... A sequência final do filme, que convoca uma descida às profundezas do mar, provavelmente instituindo o primeiro ponto de vista submarino, faria Mélies curvar-se por respeito perante Feuillade, e oferecer-lhe prazeres orais por três meses. Já agora, pode ser impossível de o provar, mas eu seria capaz de jurar que o clímax do 'The Life Aquatic with Steve Zissou' invoca precisamente essa sequência...

Bom, acrescento apenas que esta escolha é sentimental. Se quiser ser mais rigoroso e objectivo, ou mais rigorosamente objectivo, talvez declarasse 'A Corner in Wheat', o filme de 1909 do timoneiro D.W. Griffith, como o grande filme da 'primeira década dos zeros com cinema dentro'. É um filme que institui a montagem dialética que viria a ser a pedra-de-toque da Revolução Russa (a do cinema, claro). Conta uma história de opressão dos pobres camponeses exercida pelo rico latifundiário que quase parece uma rábula orwelliana - e se fosse realizado 30 ou 40 anos mais tarde, o Elia Kazan iria bufar mais que uma gaita de foles...
Mas mais que tudo isto, é a própria beleza inerente a cada 'quadro' que me comove e arrasa. O cuidado na composição de cada plano, o meticuloso convite à leitura objectiva sobreposta à lírica, o realismo duro que ombreia com a inevitável poesia que contagia todos os planos rurais, como na pintura de Courbet... Não foram só os russos que desta água beberam - de Ford a Van Sant, de Mizoguchi a Tárr: todos exibem no seu ADN provas que o seu olhar passou por aqui.



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